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24 horas de vida

Saiba como agir corretamente nos momentos mais importantes da vida de seu potro.

O primeiro dia de vida extra-uterina do potro representa para ele um grande desafio fisiológico e psicológico, um período estressante na melhor das hipóteses. Este período é muito importante e depende das 7800 horas nas quais ele se desenvolveu dentro do útero materno, da presença ou não de intercorrências durante o parto e de fatores intrínsecos ao potro.

Dentro do útero, o feto precisa ter um aporte nutricional adequado e um ambiente sem estresse e infecção. Com isto, éguas que durante a gestação apresentem cólica, corrimento vaginal, ou são transportadas por longas distâncias, entre outros fatores, precisam que seus potros sejam assistidos durante o parto.

Fisicamente, durante as primeiras 24 horas de vida do recém-nascido, iniciam-se os processos de respiração e digestão, além de um “input” de inúmeros estímulos sensoriais. O ambiente regrado e controlado do útero materno é substituído pelo vasto e imprevisível mundo lá fora, exigindo de imediato a ativação do mecanismo de termo-regulação para que o potro não morra de frio. A recepção de oxigênio por meio do cordão umbilical acaba e o potro precisa começar a respirar às custas de seus próprios pulmões. Ativa-se o funcionamento das defesas imunológicas para não sucumbir aos milhões de germes presentes no ar, reflexos eficientes para alimentar e fugir de predadores... e assim por diante.

A expulsão do potro após o rompimento da bolsa tem que ser rápida, não devendo ultrapassar 30 minutos.

Nestas primeiras horas também se formam os elos entre égua e potro, a “estampagem” onde ambos detectam e registram cheiros, sons e cores o que permite que um identifique ao outro em qualquer circunstância, e que faz com que jamais se percam de vista durante os próximos meses. Ainda que este processo seja eficaz e natural na grande maioria dos casos, é um erro supor que ele seja automático: égua e potro precisam aprender a se reconhecer; isto é especialmente verdade em éguas de primeira cria, que não raro ficam um pouco duvidosas, ou no mínimo atônitas, com relação àquele “fenômeno” surgido do nada.

Pensando nisso tudo, é fácil perceber que o maior risco que corremos como criadores, é o excesso de interferência nessas importantíssimas primeiras 24 horas. É muito natural que toda família, amigos e vizinhos queiram visitar, abraçar, fotografar, carregar no colo, etc., aquele potro tão curiosamente esperado... mas no primeiro dia, é melhor proibir as visitas ao máximo. Devemos nos limitar a observar, periódica e discretamente, como a nova dupla está se saindo. Do terceiro dia em diante, o potro estará esperto e a égua tranqüila o bastante para não se perturbarem frente a visitantes e admiradores. Conheci casos de éguas de primeira cria, que ficaram tão confusas com todo aquele movimento de pessoas querendo desinfetar o umbigo, ensinar o potro a mamar, ver se a égua “se limpou”; que elas não apenas passaram a ignorar o potro, como o repeliam quando tentava mamar. Esta situação tende a piorar rapidamente, pois se o recém nascido demora para mamar, o úbere vai ficando mais intumescido e mais dolorido, suas tentativas de aproximação doem cada vez mais à égua, que poderá até escoicear o potrinho. Este, por sua vez, logo se afeiçoará aos humanos que tentam resolver o problema.

Caso o potro seja criado na mamadeira, o que já é difícil o bastante, teremos um cavalo “aleijado socialmente”, com sua estampagem toda errada, pois pensará que é gente e terá dificuldades de se relacionar com outros cavalos.

O que fazer nas primeiras horas

Observe a égua e o potro discretamente, interferindo o mínimo possível, de preferência sem entrar na cocheira a toda hora. Dentro deste primeiro dia de vida, o potro instintivamente adota uma seqüência de atitudes fundamentais para a sua sobrevivência, para ser considerado normal.

Poderemos dar uma rápida checada a cada uma ou duas horas, observando:

1. Logo após a expulsão, o potro precisa respirar, pois o oxigênio é o “combustível” para o cérebro que irá comandar a seqüência de fatos que deverão ocorrer. Neste momento potros assistidos deverão ser submetidos a exames semelhantes àqueles feitos rotineiramente na medicina humana, para verificar se ocorreu asfixia durante o parto.

2. Dentro dos dez primeiros minutos de vida, o potro deve apresentar reflexos de sucção.

3. O rompimento do cordão umbilical acontece geralmente em meio às tentativas de o potro se levantar ou quando a mãe se levanta.

4. Se o potro consegue levantar bem de início, independente do seu tamanho ao nascer, na segunda ou terceira tentativa, mas a cada vez, um pouco mais esperto.

5. Como estão os aprumos do potro? Pequenos desvios geralmente endireitam na primeira semana, mas às vezes há problemas ortopédicos mais sérios, que precisarão de intervenção veterinária.

6. Verificar se o potro localiza o úbere e está mamando bem. Não há passagem de anticorpos da égua para o potro através da placenta. Por isso, a égua produz seu primeiro leite (o colostro) com uma alta concentração de anticorpos, que são absorvidos no intestino delgado do potro dentro das primeiras oito horas. Após este período, a sua absorção é reduzida.

O potro ao nascer, apresenta uma quantidade de energia armazenada limitada, sendo que o colostro ajuda a repor esta energia gasta durante a primeira fase da vida. Potros que adquirem infecção consomem esta energia mais rápido, podendo apresentar-se deprimidos mesmo passando suas primeiras 12 horas em bom estado.

7. Pode ser frustrante para quem está observando assistir as tentativas do potro para mamar, e a tentação de ir dar uma mãozinha pode ser muito grande. O pequenino pesquisa tudo quanto é canto da égua, às vezes até saliências da parede, e quando finalmente chega ao rumo certo, não pega a teta, ou ela escapa. Mas não adianta mostrar o caminho ao potrinho, afinal não estaremos sempre ali juntos dele, ele terá que aprender sozinho. E todos potros normais aprendem, e com grande eficiência. Por isso mesmo, é melhor não ‘ficar em cima’ ininterruptamente, e dar algum tempo à natureza.

8. Verificar se a égua está permitindo que o potro mame, principalmente se ela for mãe de primeira viagem. O úbere às vezes está muito cheio e dolorido, e pode ser que a égua dê alguns gemidos e grunhidos enquanto o potrinho mama, mas nem por isso afugentando-o. Não interfira, a não ser que você tenha absoluta certeza do que está fazendo, pois do contrário os resultados podem ser desastrosos.

9. Desinfete o umbigo do potro com solução de iodo 10%, ou “Biocid”. Pela sua ação causticante, o iodo é preferível no primeiro dia, à cicatrizantes inseticidas como “Lepecid” ou “Tanidil”, mumificando o coto umbilical. Falta de atenção ao umbigo pode resultar em hérnia umbilical ou úraco persistente (condição na qual a comunicação da uretra com o cordão umbilical não fecha logo após o nascimento, causando extravazamento da urina pelo coto umbilical), além de miíases (bicheiras) e infecções localizadas, que podem evoluir para “mal das juntas” (pioarterite dos potros), septicemia e morte.

A cauterização com iodo pode ser repetida no segundo dia, e a partir daí o umbigo deve ser tratado com “Lepecid” ou similar diariamente, até sua completa cicatrização (excesso de uso de iodo pode causar irritações e queimaduras).

10. Verificar se o potro está urinando e defecando normalmente. A retenção de mecônio (fezes fetais) é rara no potro que está mamando adequadamente. Mas há quem prefira, como medida de precaução, administrar um enema de óleo mineral ou glicerina líquida juntamente com a desinfecção do umbigo. Este enema deve ser administrado por seu veterinário, com uma seringa de 20 ml sem agulha, introduzindo seu bico ou um pedaço de tubo de equipo a ele adaptado, no ânus do potro.

11. Verificar se a égua eliminou a placenta, o que acontece de duas a três horas após o parto. É importante verificar manualmente se a placenta foi inteiramente expulsa da égua. Caso o parto tenha sido no pasto, convém procurar o mais cedo possível, pois cães e aves de rapina costumam agir rápido. A placenta deve então ser eliminada, de preferência enterrando-a (não deixá-la dentro do box ou na estrumeira).

12. Observe se a égua está se alimentando e comportando normalmente. Algumas éguas não mostram muito interesse por grãos (ração) no primeiro dia pós-parto, mas é importante deixá-las comer volumoso à vontade, feno ou verde. Ainda mais importante é o fornecimento contínuo de água fresca. Devemos lembrar que o potro mama até 20 litros diários de leite, e que isso implica em um consumo de duas a três vezes maior de água por parte da égua, principalmente nos dias quentes. O pico de produção leiteira da égua se dá entre o segundo e quarto mês de vida do potro, e é então que mais atenção devemos dar a sua alimentação. A égua lactente precisa de uma alimentação muito mais reforçada do que a égua prenhe.

13. Inapetência e apatia por parte da égua podem ser indícios de um início de infecção (por exemplo, por retenção da placenta). A temperatura anal pode ser medida com um termômetro normal; temperaturas acima de 38,50 C são consideradas febris.

14. Verificar se a vulva da égua está íntegra, sem ter havido lacerações na hora do parto. Se houver, elas exigirão a atenção do veterinário. Mesmo sem lesões, os flancos e a cauda da égua podem estar sujos de sangue e de secreções eliminados na hora do parto. Se a égua for do tipo nervoso, deixe o banho completo para o dia seguinte e por hora se limite a passar “Lepecid” na área. Mas não se esqueça de que a miíase precisa apenas de uma mancha de sangue, não de feridas abertas para se instalar.

15. Mais para o fim do primeiro dia, dentro deste período de adaptação ou após a estabilização do potro, recomenda-se como medida de manejo, desensibilizar o recém-nascido, através de massagem, certas áreas como base de orelha, virilha, garupa, tronco e membros onde muitos animais apresentam cócegas. Cinco minutos são bastante para uma rápida passada de mãos em todas as partes do corpo do potrinho, habituando-o ao contato e cheiro humanos, mas não se esqueça de que ele precisa saber que é um cavalo e não gente. O contato diário com o potro é benéfico, usando-se sempre a inteligência e nunca a força bruta.

16. Se sua égua for do tipo extremamente ciumento, que não pode ver gente ou outros animais se aproximar sem ameaçar escoicear os invasores, deixe-a o mais tranqüila possível, esta agressividade passa após os primeiros três ou quatro dias; forçar as coisas pode levar o potro a ser agredido pela própria mãe.

Logo que se mantém em pé e até o final do primeiro dia, o potro normal apresenta-se ativo, com afinidade pela mãe, mamando em intervalos de 30 a 60 minutos, dormindo freqüentemente e com grande curiosidade pelo ambiente.

Como visto, apesar do tempo em que o cavalo está domesticado, ele mantém muitas características selvagens, uma vez que nas estepes onde vivia em liberdade, a maioria dos partos acontecia à noite para se evitar a presença de predadores, o potro precisava colocar-se em pé rapidamente e ser capaz de seguir o grupo em busca de alimento.

Durante as primeiras 24 horas, o potro deve ser freqüentemente observado e, qualquer comportamento diferente do que foi exposto acima, indica alguma anormalidade. É importante ressaltar que o potro é muito sensível e quando doente evolui rapidamente para um quadro irreversível. Por isso, ao menor sinal de anormalidade, consulte imediatamente o seu veterinário.

Quando soltar o potro encocheirado pela primeira vez?

Se o tempo estiver bom e o potro firme o bastante, no segundo dia é melhor soltá-lo somente em um piquete exclusivo para mãe e filho. No fim de uma semana, geralmente é possível reintegrar a égua ao resto da tropa. Procure soltar o recém-nascido o quanto antes, nem que seja apenas meia hora por dia, caso as condições ambientais forem adversas. É bom tanto para o desenvolvimento físico, como para ele aprender logo que existe um enorme mundo além da cocheira, pronto para ser explorado.

Sinais de um potro problema:

1. Após o nascimento apresentar-se flácido e não reativo.

2. Não apresentar-se de pé dentro das duas primeiras horas

3. Não conseguir mamar dentro das três primeiras horas

4. Não eliminar o mecônio dentro das primeiras cinco horas.

5. Não urinar ou apresentar gotejamento de urina.

6. Apresentar-se incomodado, escoiceando o abdômen, rolando ou emitindo gemidos e com a respiração acelerada.


Fonte: Arquivo Revista Horse Business
Colaboração: Alir de Biaggi Filho

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