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Aparelho Digestivo

Para que se possa entender como acontecem os distúrbios do aparelho digestivo é importante primeiramente conhecer suas particularidades e seu funcionamento.

Desde o século passado, por volta de 1800, encontramos registros em livros, descrevendo as cólicas como um “mal específico” dos cavalos. Daquela época, onde já havia uma preocupação em tentar conhecer a razão desses distúrbios digestivos, até nossos dias, quando eles ainda causam óbitos e continuam obscuros em muitos aspectos, permanecem enfatizadas a complexidade e a importância do assunto. Com o crescente aumento dos plantéis domésticos e maior valorização de seus indivíduos, surgiu a necessidade de se intensificar pesquisas e ampliar a utilização dos avanços tecnológicos, buscando cada vez mais as chances de sobrevivência. As cólicas não devem mais ser encaradas como uma simples e rápida resposta para um óbito, onde não se conseguiu um diagnóstico para a sua causa. Há muito que deixaram de ser abordadas simplesmente como uma doença. elas representam na verdade a manifestação de um conjunto de sintomas, uma síndrome que certamente tem uma causa.

Assim como as cólicas, outros importantes e graves distúrbios podem acometer o aparelho digestivo eqüino. Para entendê-los melhor é necessário conhecer anatomia, funcionamento e, principalmente, não esquecer de suas particularidades. As inúmeras e até, exaustivas abordagens sobre esses temas podem induzir a uma equivocada noção de que os eqüinos sejam especialmente vulneráveis a essas complicações digestivas. Na verdade, são as mudanças impostas pelo convívio com o homem, na domesticação. que ao não respeitarem as características do organismo desses animais. São as responsáveis pelo aparecimento de tantos distúrbios.

O aparelho digestivo, nas varias espécies animais, tem por função transformar os alimentos complexos como os volumosos (gramíneas e leguminosas) e os grãos em substâncias simples (carboidratos, ácidos graxos, proteínas, aminoácidos), que o organismo vai utilizar em seus processos biológicos, ou seja, seu funcionamento, e também armazenar como reservas.

CONHECENDO A ANATOMIA

Cavalos são herbívoros, embora sejam cada vez mais tratados com ração. e apresentam no tubo digestivo segmentos bastante ampliados que são particularmente importantes para a decomposição da celulose pelas bactérias ali alojadas. Não são ruminantes como algumas pessoas ainda podem pensar, já que são incapazes de regurgitar, isto é, de trazer o alimento de volta à boca para nova mastigação e contato com a saliva como fazem os bovinos.

A boca é a primeira parte do canal alimentar. No cavalo é uma longa cavidade cilíndrica que, quando fechada, está quase totalmente preenchida pelas estruturas nela contidas. Temos lábios, bochechas, gengivas, palato duro (céu da boca), assoalho da boca, língua, dentes e glândulas salivares (parótida, sublingual e mandibular). Na seqüência temos o palato mole e a faringe, comum também ao aparelho respiratório. Nela encontra-se a glote que coordena a passagem dos alimentos para o esôfago durante a deglutição, evitando que eles tenham acesso à traquéia e pulmões. O esôfago v em logo a seguir e é um tubo músculo membranoso de aproximadamente 125 a 150 cm de comprimento, que se estende da faringe até o estômago.

O estômago é uma grande dilatação do canal alimentar, é um saco com formato de um 1 fortemente encurvado. Nos eqüinos. é relativamente pequeno, com capacidade variando de 8 a 15 litros e sua entrada (cárdia é muito próxima e quase paralela à saída pelo duodeno (piloro).

O intestino delgado é um tubo que liga o estômago com o intestino grosso. Inicia-se no piloro e termina na curvatura menor do ceco. Seu comprimento médio é de 22 metros e sua capacidade de 40 a 50 litros. E claramente divisível em uma parte fixa, denominada duodeno (1 .0 - 1,5 metro de comprimento, e em uma parte livre na cavidade abdominal, chamada mesentérica. que é convencionalmente dividida em jejuno (17 - 28 metros de comprimento) e íleo (0.7 - 0.8 metros de comprimento), pois não existe ponto evidente de demarcação entre essas partes.

O intestino grosso estende-se da terminação do íleo até o ânus. Seu comprimento varia de 7,5 a 8,0 metros, difere do intestino delgado por seu maior tamanho, por ser saculado em sua maior parte e possuir faixas longitudinais. É dividido em ceco, cólon maior, cólon menor e reto.

O ceco é um grande fundo de saco intercalado entre o intestino delgado e o cólon. Possui tamanho, formato e posição extraordinários no eqüino. Seu comprimento médio é de 1,25 m e sua capacidade é de 25 a 30 litros. E curvo como uma vírgula e suas extremidades são cegas.

O cólon maior ou ascendente tem de 3 a 3.7 metros de comprimento, seu diâmetro médio é de 0 a 25 centímetros e sua capacidade mais do que o dobro da do ceco. O cólon transverso é a porção constrita entre os cólons maior e menor. O cólon menor ou descendente tem 3,5 m de comprimento e um pequeno diâmetro de 7,5 a 10 centímetros. Na cavidade abdominal, suas alças estão misturadas com as do intestino delgado, das quais são facilmente distinguíveis pelas tênias (faixas) e saculações, onde as fezes adquirem a forma de síbalas (bolinhas).

O reto é a parte terminal do intestino e seu comprimento é de aproximadamente 30 centímetros. O ânus é a parte terminal do canal alimentar, seu lúmem, o canal anal, é fechado pela contração dos músculos de seu esfíncter.

Temos ainda as importantes glândulas digestivas como o pâncreas e o fígado. O pâncreas tem peso médio de 350 gramas, muito importante pois secreta quase todas as enzimas necessárias para a degradação das substâncias alimentares. Já o fígado é a maior glândula do corpo e pode pesar. em grandes cavalos, até 10 quilos. Uma curiosidade, cavalos não possuem vesícula biliar.

Nos cavalos, a relação entre o comprimento do corpo e o comprimento do intestino é de 1:12, ou seja, o intestino é doze vezes mais longo do que o corpo do animal.

A DIGESTÃO

A digestão é um processo que compreende a ingestão dos nutrientes, sua degradação no tubo intestinal, a atividade das glândulas anexas e a excreção dos resíduos não absorvidos. Ela se completa com a absorção dos produtos degradados quimicamente. No decurso da digestão, os nutrientes perdem suas características específicas e eventuais propriedades deletérias (prejudiciais) através de sua degradação em moléculas menores. Um grande número de processos químicos e físicos, estreitamente relacionados entre si e sob o controle do sistema nervoso, faz parte da digestão. Essa regulação nervosa se completa com a ação dos hormônios dos tecidos (tissulares).

Os processos físicos da digestão englobam a atividade motora do tubo digestivo bem como o umedecimento e a mistura de seu conteúdo. Já a elaboração química é feita por ação das secreções das glândulas digestivas e das glândulas anexas como o fígado, pâncreas e salivares. As bactérias constituem uma segunda fonte de enzimas no tubo digestivo, são encontradas em grande quantidade, principalmente no intestino grosso dos herbívoros, onde decompõem a celulose.

A digestão se inicia com a introdução dos alimentos na cavidade oral. Com exceção dos alimentos que podem ser prontamente engolidos e de líquidos, as partículas de alimento logo após a ingestão, são esfregadas com o auxílio da língua contra a face de atrito dos dentes posteriores, e logo se inicia o processo de mastigação. Ele tem por finalidade reduzir o tamanho dos componentes da alimentação e misturá-los com a saliva. O tempo necessário para mastigar uma determinada quantidade de alimento depende de suas características. Alimentos ricos em água requerem menos movimentos mastigatórios e, portanto, menor tempo do que alimentos secos. Para mastigar um quilo de feno, um cavalo necessita em média de meia hora.

No cavalo, são produzidos em média 40 litros de saliva por dia (homem 1,5 litro/dia), cuja maior parte provém das glândulas parótidas. Uma alimentação a base de aveia reduz a 2/3 esse volume e a administração de alimentos verdes reduz à metade a quantidade produzida em relação à ingestão de feno. Para mastigar e engolir um alimento seco (feno), o cavalo necessita de uma quantidade de saliva quatro vezes maior que o volume de alimentos; no ca. o da aveia (alimento com média quantidade de água), necessita o dobro. Ao ingerir alimentos verdes, secreta uma quantidade de saliva igual a metade do peso da forragem. A saliva tem pH alcalino, no cavalo é de 7,56 (7,31 a 7,80), e é constituída por 99 a 99,5% de água e a massa seca compreende diversos orgânicos e inorgânicos. A concentração de potássio na saliva é maior que a de sódio e o bicarbonato de cálcio pode formar tártaro dentário.

Para desencadear a secreção da saliva, atuam quase que exclusivamente estímulos mecânicos. Estes ocorrem graças ao contato do alimento com a mucosa oral durante a mastigação. Quanto mais seco e rico em fibras for o alimento, tanto maior o tempo gasto com a mastigação e maior a quantidade de saliva necessária. A saliva, graças ao seu alto teor hídrico, tem basicamente uma função mecânica. O animal pode transformar um alimento, em geral seco, em algo facilmente deglutível, além de estimular também a secreção do suco gástrico (estômago).

Em potros amamentados, a participação do estômago na capacidade digestiva é significativamente maior do que nos cavalos adultos. No estômago ocorre a degradação das proteínas pelas enzimas chamadas pepsinas. Há também quebra do amido, mas não há degradação de celulose. No cavalo alimentado duas vezes ao dia, o estômago nunca chega a ficar sem alimentos. Apenas 24 horas após a última refeição é que ele se esvazia completamente. O cavalo não vomita e portanto não consegue se livrar de um enchimento gástrico excessivo, por isso quando é tratado com ração, não deve receber toda a quantidade diária de uma só vez. Os principais motivos que impedem o cavalo de regurgitar são: o centro hemético, ligado ao sistema nervoso e que dá o comando para o vômito, é pouco desenvolvido nos cavalos, e, a disposição anatômica de entrada (cárdio) e saída (piloro) quase paralelas dificulta os movimentos peristálticos que fazem com que o alimento seja devolvido à boca.

É no intestino que a maior parte das substâncias alimentares são degradadas. Os produtos desse processo são absorvidos de maneira contínua e extensa pela mucosa intestinal. A formação das fezes ocorre no intestino grosso terminal. A mucosa intestinal dispõe de uma atividade metabólica intensa, necessária para a manutenção das numerosas transformações pelas quais os produtos digeridos sofrem a fim de serem absorvidos.

No intestino delgado, o bolo alimentar vai sendo submetido à ação de enzimas provenientes das secreções das glândulas digestivas, e que degradam as proteínas, os carboidratos e as gorduras. Os peptídeos, ácidos graxos e aminoácidos resultantes são também absorvidos pelas células da mucosa intestinal.

O intestino grosso forma câmaras de fermentação onde a celulose é degradada com a ajuda das bactérias e protozoários (digestão das fibras), que também sintetizam as vitaminas do grupo B e a vitamina K. Os ácidos graxos voláteis - AGV - produzidos por essa fermentação microbiana são uma importante fonte de energia para o organismo. No ceco e cólons, também ocorre a degradação de celulose e de outros carboidratos de difícil digestão. Os resíduos do processo de digestão vão se incorporar às fezes que adquirem seu formato definitivo (síbalas) no cólon menor, caminham pelo reto e são eliminadas pelo esfíncter anal.

O tempo de permanência do alimento no canal gastrointestinal varia de acordo com a quantidade ingerida, da composição da ração, do intervalo entre as ingestões e da capacidade digestiva de cada animal. Geralmente todo o trânsito intestinal se completa em 48 horas, o dobro do tempo necessário para a espécie humana.


Fontes consultadas: Anatomia dos Animais Domésticos - Sisson & Grossman. Fisiologia Veterinária - Eric Kolb.

Fonte: Arquivo Revista Horse Business
Por Dra. Andréa Caldeira

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